Em tempos que a ordem e lei está sendo
destronados por uma ética individualista, faz-se necessário pensar sobre a
função paterna. O individualismo é, para mim, expressão gritante das
satisfações mais desumanizantes. A isso, Lacan, poeticamente, diz “(...) o sujeito alucina seu mundo. As satisfações
ilusórias do sujeito são evidentemente de ordem diversa das satisfações que
encontram seu objeto no real puro e simples. Nunca um sintoma aplacou a fome ou
a sede de forma duradoura, sem a absorção de alimentos que as satisfaçam”.
(1).

Por sua vez, o pai, Freud, fala “O pai primordial é anterior (...) ao
surgimento da lei(...) da cultura”(1), ele introduz tanto a lei e a cultura
( como poder que liberta) ao filho, poder horizontal em cada núcleo familiar.
Seguindo esse princípio, basta dizer que o nome do pai nasce da mitologia hebraica,
a de Abraão e infanticídio sobre Isaque. É o fim do genitor (na fala de Freud o
pai perverso), surge o pai, e disso provoco, o paterno cuidador e harmonizador junto à
maternagem.
Quero dizer que, o homem sem direito ao infanticídio, surge a
possiblidade de nova regra de uma lei democrática participativa. Onde o poder
não é desigual e, sim harmônica. Assim, o dom de gerar filhos é dado ao humano,
a morte Deus retém a si. Então o filho pode definir, quando livre, seu destino,
salvo sejam os pais, também, livres, ou seja materna e paterno.
Em seu artigo Pai-Versão, alcunha de Lacan, Sophie Gayard, afirma que “Estilhaçados, recompostas, monoparentais
(...) as famílias de hoje se definem mais com base na criança do que no pater
família que por muito delas definiu o estatuto”(2). Lacan, traz em sua
noção de Pai-Versão, o pai morto, do mito edipiano. Aquele, onde o filho
inconscientemente mata o pai e casa-se com a mãe. Aqui incluído a metáfora do parricídio,
que entendo como a negativa do pai de poder sobre o corpo do filho, uma negação
a morte do desejo do filho, pelo contrário permissão para que ele deseje e faça
seu destino. Pois, ambas metáforas, falam da morte (necessária) do sonho do
filho idealizados pelos pais.
Falei que o pai introduz o filho
ao mundo através da lei e da cultura, vejamos como quanto temos que os ajudar. Em
Corpo da Criança, Neus Garboneu, diz
que “A chegada ao mundo implica que os
efeitos da linguagem no organismo o transformem em corpo. É dessa maneira o
bebê deve chegar a conquistar seu corpo(...) E deve fazê-lo precocemente” (...)
a impotência motora da criança será a chave para conceber o peso (...) na formação
do eu(2A). Esse peso, em diversos casos de filhos, como pessoas com TEA, é
mais duradoura e esse eu fica menos visível a olhos não treinados. Garbonel, faz-me
lembrar que crianças típicas jubilam com sua imagem refletida, ao tempo que a
criança com TEA, isso, possivelmente, não ocorrerá tão facilmente assim. E esse
jubilar ajuda a montar a consciência do seu corpo, que para Lacan é imaginário.
E, isto, junto ao fato do objeto transacional pensado por Winnicott, que são objetos
que ensinam a criança a se libertar da ausência do corpo da mãe. Tal fenômeno é
mais complexo para a pessoa com TEA. Este parágrafo foi dirigido ao pai, o que
pode se permitir às metáforas do parricídio e do infanticídio, especialmente se
vosso filho estiver dentro do espectro.
E, assim podemos citar enfim, Alba Flesler, em sua obra A Psicanálise de Crianças e o Lugar dos
Pais, onde ela diz que a criança só existirá a partir da mãe, através
mediado com o paternal como a lei. E quando essa função falha, abre-se para
morte, um vazio orientador, aqui basicamente se instala o infanticídio.
Assim, concluímos que a
paternagem nasce da morte do macho que apenas procria, evolui ao pai apenas
provedor, até chegar no paternal, favorecedor do amor, da liberdade da criança,
capacitando-a a escrever seu destino.
Para isso, nega-se o poder matar
os sonhos e, também, de ser dono da verdade. Nasce humildemente a possibilidade para o que
Winnicott, chama com a Mãe Suficiente Boa, aquela que não castra os sonhos do
filho, mas sonham os três juntos. Pois, pode ela, assim, não precisar ser muito
defensiva para proteger o filhote o sufocando, nem tão pouco o abandonará, o
negando, por ela também estar só e, pelo contrário, os três serem um só.
____________________________
1. Em Nome do Pai , JAQUES LACAN 1901-1981. Ed. Zahar, Rio de Janeiro 2005;
2. Pai-Versão, SOPHIE GAYARD. SCILICET O Corpo Falante, sobre o inconsciente no
século XXI, X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, Rio de Janeiro,
2016 ;
2A. Corpo da Criança, NEUS GARBONEU. SCILICET O Corpo Falante, sobre o inconsciente no
século XXI, X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, Rio de Janeiro,
2016 ;
3. A Psicanálise de Crianças
e o Lugar dos Pais, ALBA FLESLER,Ed. Zahar,Rio de Janeiro,2007.
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