quinta-feira, 10 de março de 2016

EM NOME DO PAI

Em tempos que a ordem e lei está sendo destronados por uma ética individualista, faz-se necessário pensar sobre a função paterna. O individualismo é, para mim, expressão gritante das satisfações mais desumanizantes. A isso, Lacan, poeticamente, diz “(...) o sujeito alucina seu mundo. As satisfações ilusórias do sujeito são evidentemente de ordem diversa das satisfações que encontram seu objeto no real puro e simples. Nunca um sintoma aplacou a fome ou a sede de forma duradoura, sem a absorção de alimentos que as satisfaçam”. (1).
No Em Nome do Pai, o freudiano amplia que “elementos de comportamento instintivo deslocado no animal são suscetíveis de nos fortalecer o esboço de um comportamento simbólico. O que, no animal, denominamos um comportamento simbólico é o fato de um segmento deslocado assumir um valor socializado e servir ao grupo animal como referência para certo comportamento coletivo” (1). Essa coletividade melhor acontece através da paternagem, ela  gera um verme da sociabilidade ao filho. Isso se dá quando o pai proíbe ao filho de prazer extremo do corpo da mãe, assim o filhote pode perceber sua existência para além do corpo dela e, portanto, tem que lutar pela sua, ainda, sobrevivência, visto que só se viverá, quando este torna-se livre, metaforicamente, parricida. Neste sentido temos em Lacan “O eu é isso em que o sujeito só pode reconhecer incialmente alienando-se” (1). Esse é o filho.
Por sua vez, o pai, Freud, fala “O pai primordial é anterior (...) ao surgimento da lei(...) da cultura”(1), ele introduz tanto a lei e a cultura ( como poder que liberta) ao filho, poder horizontal em cada núcleo familiar. Seguindo esse princípio, basta dizer que o nome do pai nasce da mitologia hebraica, a de Abraão e infanticídio sobre Isaque. É o fim do genitor (na fala de Freud o pai perverso), surge o pai, e disso provoco, o  paterno cuidador e harmonizador junto à maternagem.
Quero dizer que, o  homem sem direito ao infanticídio, surge a possiblidade de nova regra de uma lei democrática participativa. Onde o poder não é desigual e, sim harmônica. Assim, o dom de gerar filhos é dado ao humano, a morte Deus retém a si. Então o filho pode definir, quando livre, seu destino, salvo sejam os pais, também, livres, ou seja materna e paterno.
Em seu artigo Pai-Versão, alcunha de Lacan, Sophie Gayard, afirma que “Estilhaçados, recompostas, monoparentais (...) as famílias de hoje se definem mais com base na criança do que no pater família que por muito delas definiu o estatuto”(2). Lacan, traz em sua noção de Pai-Versão, o pai morto, do mito edipiano. Aquele, onde o filho inconscientemente mata o pai e casa-se com a mãe. Aqui incluído a metáfora do parricídio, que entendo como a negativa do pai de poder sobre o corpo do filho, uma negação a morte do desejo do filho, pelo contrário permissão para que ele deseje e faça seu destino. Pois, ambas metáforas, falam da morte (necessária) do sonho do filho idealizados pelos pais.
Falei que o pai introduz o filho ao mundo através da lei e da cultura, vejamos como quanto temos que os ajudar. Em Corpo da Criança, Neus Garboneu, diz que “A chegada ao mundo implica que os efeitos da linguagem no organismo o transformem em corpo. É dessa maneira o bebê deve chegar a conquistar seu corpo(...) E deve fazê-lo precocemente” (...) a impotência motora da criança será a chave para conceber o peso (...) na formação do eu(2A). Esse peso, em diversos casos de filhos, como pessoas com TEA, é mais duradoura e esse eu fica menos visível a olhos não treinados. Garbonel, faz-me lembrar que crianças típicas jubilam com sua imagem refletida, ao tempo que a criança com TEA, isso, possivelmente, não ocorrerá tão facilmente assim. E esse jubilar ajuda a montar a consciência do seu corpo, que para Lacan é imaginário. E, isto, junto ao fato do objeto transacional pensado por Winnicott, que são objetos que ensinam a criança a se libertar da ausência do corpo da mãe. Tal fenômeno é mais complexo para a pessoa com TEA. Este parágrafo foi dirigido ao pai, o que pode se permitir às metáforas do parricídio e do infanticídio, especialmente se vosso filho estiver dentro do espectro.
E, assim podemos citar enfim, Alba Flesler, em sua obra A Psicanálise de Crianças e o Lugar dos Pais, onde ela diz que a criança só existirá a partir da mãe, através mediado com o paternal como a lei. E quando essa função falha, abre-se para morte, um vazio orientador, aqui basicamente se instala o infanticídio.
Assim, concluímos que a paternagem nasce da morte do macho que apenas procria, evolui ao pai apenas provedor, até chegar no paternal, favorecedor do amor, da liberdade da criança, capacitando-a a escrever seu destino.
Para isso, nega-se o poder matar os sonhos e, também, de ser dono da verdade. Nasce  humildemente a possibilidade para o que Winnicott, chama com a Mãe Suficiente Boa, aquela que não castra os sonhos do filho, mas sonham os três juntos. Pois, pode ela, assim, não precisar ser muito defensiva para proteger o filhote o sufocando, nem tão pouco o abandonará, o negando, por ela também estar só e, pelo contrário, os três serem um só.
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1.        Em Nome do Pai , JAQUES LACAN 1901-1981. Ed. Zahar, Rio de Janeiro 2005;
2.    Pai-Versão,  SOPHIE GAYARD. SCILICET O Corpo Falante, sobre o inconsciente no século XXI, X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, Rio de Janeiro, 2016 ;
2A.    Corpo da Criança, NEUS GARBONEU. SCILICET O Corpo Falante, sobre o inconsciente no século XXI, X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, Rio de Janeiro, 2016 ;

3.      A Psicanálise de Crianças e o Lugar dos Pais, ALBA FLESLER,Ed. Zahar,Rio de Janeiro,2007.

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