quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O que o autista, ao usar o corpo, tem a dizer a mãe?

Um autor chamado Miller, afirma que "o corpo não fala, serve para falar"*, já Lacan diz que só se tem um corpo graças a linguagem, eis o que quero trazer hoje aos colegas, leitores desse blog. Estou a fim de pensar o que as pessoas com  autismo tem a dizer a suas mães. Digo a elas, porque são elas que estão mais próximas de os escutar e, traduzir a linguagem desses corpos falantes.
E, assim reafirmo que temos que deixar o autista nos chamar, através do seu desejo, como  crianças, ele é puro desejo.
Mas penso que o caminho é fazer ele sair de toda e qualquer infantilização e, também,sobretudo, que ele aprenda a partir da falta, dos "nãos", que nos ensina tanto. Pois, ao se colocar como alvo de piedade é sempre viciante, temos que evitar isso. 
Mesmo que "O improvável do gozo pode angustiar"*, se bem bem dosado não traz adoecimento, pois se damos tudo aos nossos filhos eles um dia pode angustia-se pela falta pois não somos eternos.
Pois se eles são mais complexos que psicóticos, não é temendo as informações dadas por eles pelas estereotipias  que acessaremos suas almas,  a fim de perceber o além do desejo e favorecermos as reais necessidades deles. 
Enfim, pelo corpo ele tem o que dizer  e, esta é a forma dele não adoecer, temos que ouvir seus corpo falante, para ajudarmos eles (re)significarem o que vemos eles em seus sofrimentos. Digo isso porque eles mudos não quer dizer que sofrem, entretanto, se o acolhemos neste suposto sofrer, eles equilibrarem-se e passam pelo que vemos como crises de maneira mais célere e estruturante, pois eles ao se verem aceitos até nestes momentos difíceis saberão que não estão sós.
E, se eles repetem certo comportamento, é que este lhes dar prazer, ou alívio a algo mais complexo, por onde precisamos guiá-los a outros formas de encontrar equilíbrio, pois (re)enfatizo, não podemos contabilizar o grau de tolerância a dor de cada um deles e, outra, nossos medos são nossos, nem sempre deles.
Eles se utilizam de nossos corpos. Isso para descobrir como suportar nossa invasão a eles, através de seus corpos, não esqueçamos o "auti" quer dizer autonomia, independência (...), então tudo que é externo aos corpos deles é invasivo.
Esta verdade é uma das bases para que surja a humildade técnica de "eu sei que nada sei" de todos que lidam com cada uma pessoa com autismo. Assim volto a Lacan que diz "todo mundo delira, seja com o corpo, seja com a linguagem"*, então não podemos querer reduzir ao cientificismo de que somos todos iguais, em detrimento a isso, vivemos a marca do singular. 
Isso é o que o corpo de cada um de nós acusa, que no singular vamos ouvir desejos como portas abertas para realizações de cada ser intimamente.  Sobretudo porque, "num certo modo o espectro é um enforma, e, em outro ponto, é um sem forma"** ou seja, nenhuma ciência que não considere a universidade da diversidade acolherá o TEA de maneira humanizada satisfatória.
Lacan se referindo a hipersensibilidade auditiva de crianças enquadrada no Transtorno do Espectro Autista - TEA, diz, por exemplo, que "a sensibilidade está do lado alucinatório. Trata-se de uma alucinação não no mesmo registro alucinatório que se dá na psicose, mas em outro regime de funcionamento alucinatório", ou seja, se diante das psicoses temos variados deslizes em todos os processos de acompanhamento, imagine no caso de pessoas com TEA.
Então vós que leem em seus filhos os corpos falantes, estão propensas a libertá-los para a forma que eles queiram viver.
Tanto que a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas - ONU marca uma mudança de paradigma "altera a percepção tradicional das pessoas com deficiência, possibilitando que eles deixem de ser vistos como alvo de caridade (...) consolida o entendimento de que a pessoa com deficiência é um sujeito de direito (...) definiu com clareza a deficiência como parte da experiência humana e equacionou esse experiência específica com o resultado de impedimentos de longo prazo, indicando que quem impõe limites e barreiras é a sociedade e não a deficiência"***. 
E por fim, lembro que a pessoa com o TEA é pessoa com deficiência para fins legais segundo a lei 12.764 de 2012. E assim, sinalizo que se pessoas com TEA, para o Sistema Único de Saúde - SUS é alvo desse direito e a convenção citada, indica que existe uma tradução errônea dos termos "mental disability" e "psychosocial disability"***, que não significa deficiência e sim desabilitado.
Então, essa tradução errônea serve ao biologismo que quer resumir toda as terapias ao corpo e a medicação, por outro lado, traduzindo por desabilitado podemos ter um passo a autonomia da pessoa com TEA e as pessoas tidas com deficiência.
Portanto, abre-se assim mais diálogo para entendermos que as pessoas com TEA tem muito a nos ensinar.

____________________
*SCILICET - O corpo falante, Sobre o Inconsciente no Século XXI, Associação Mundial de Psicanálise, 2015;
**Autismo(s) e Atualidade: Uma Leitura Lacaniana. Escola Brasileira de Psicanálise, 2012; 
***Linha de Cuidado a Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único da Saúde. Brasil, 2015.

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