sexta-feira, 31 de julho de 2015

TAISA ZANINI
 33 anos, mãe de um lindo menino de 6 anos, diagnosticado com autismo.


      O meu filho sempre foi diferente. Mesmo quando bebê. Não ficava nos lugares conosco, não ficava no colo quieto, nem no bebê conforto, nem na mesa, corria sem parar, gritava, não sentava, não demostrava  prazer pela comida, não sorria para nós, não fitava o olhar, não me reconhecia e parecia surdo.
    Comecei a ficar preocupada. Será que era coisa da minha cabeça? Só eu via que ele não estava agindo como os outros? Levei em alguns médicos e me pediram para ter paciência, alegavam que cada criança se desenvolve de uma maneira. Não consegui. Nunca tive muita paciência. Sou imediatista, inconstante, impaciente. Já havia ouvido falar de médicos que dão pouca ou nenhuma importância para o que as mães observam em seus filhos.
Naquela época eu agi por instinto, hoje eu agiria com conhecimento. Até que notamos, eu e meus pais, que ele fazia coisas extraordinárias. Sabia todas as bandeiras de todos os países do mundo, acessava qualquer site na internet com os dedinhos mais ágeis possíveis, normalmente em inglês ou espanhol, cantava um milhão de músicas com letras compridas inteirinhas, tinha um vocabulário impresionantemente culto...
Mas não dizia mamãe, água, vovó . Meu filho não se comunicava comigo. Não sabia coisa alguma e suas necessidade dele e sentimentos sobre ele, se tinha fome, sede...e me sentia distante. Era como se houvesse uma barreira de vidro entre nós dois e eu não conseguia me aproximar. Isso sim me causava pesar. Sonhei em ser mãe como aquelas que a gente vê nas ruas, onde as crianças ficam grudadas nas mães, não passam a noite fora, choram por colo...  Isso não acontecia.
      Um dia, prestes a completar 2 anos notamos que ele não estava decorando tudo isso. Ele estava lendo. Sim!!! Ele lia tudo! Devorava livros na livraria em minutos, rótulos, bulas de remédio, letras de músicas, notícias em revistas, navegava como um adulto treinando o que queria aprender . Se deixássemos ele passaria o dia inteiro, sem comer, dormir, ir ao banheiro e principalmente sem falar conosco, apenas no computador. Ele queria ler, todos os tutoriais possíveis de jogos para aprender como executar o jogo.
    Me lembro claramente de um dia em particular, onde eu ouvi a palavra autismo alto pela primeira vez. Meu pai tinha vindo para natal e estava com ele sentado no colo, no s olhamos e ele falou: "_Filha, você sabe né?! O nosso bebê pode ser autista." Me lembro que eu parei e pensei que precisava ler sobre isso para responder com certeza. Mas respondi: "_Ok, eu sei pai." Não senti nada. Não doeu nada. Eu não estava em choque. Eu apenas sabia.  
      Começamos a corrida por todos os profissionais possíveis. E decidimos começar todas as terapias inerentes à um tratamento para autista independente do diagnóstico, afinal, eu já sabia. E antes tratar e não precisar, do que ter perdido um tempo precioso. Sábia decisão a minha.  
      Começamos aos 2 anos acompanhamento com fonoaudiólogos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, equoterapia (me lembro que meu irmão, padrinho do Jorginho, trouxe uma égua aqui para natal para ele), psicólogos e fizemos, eu, meu irmão e meus pais TODOS os cursos que haviam na época sobre autismo para aprendermos tudo o que podíamos. Modificamos nossa rotina, mudei minhas prioridades e minha casa. 
      Muita gente me procura para conversar, principalmente no período de descoberta do diagnóstico. Tenho um orgulho enorme em dizer que ajudei algumas pessoas, por incrível que pareça NUNCA me ocorreu o sentimento de tristeza. Um medinho assim do novo pode ser. Ele nasceu diferente, sim! É daí?! Também não sou igual a ninguém. Para mim e para minha família o autismo não veio pesado. Chegou leve, como uma brisa. Uniu. Provocou mais amor e mais tolerância. Como eu poderia me entristecer?! 
      Estou longe de ser a mulher mais equilibrada do mundo, não é isso! Mas não sei explicar porque essa notícia não causou transtornos. Me tornei mais forte, equilibrada, mais tranquila, mais paciente, mais humilde...O autismo abriu as porta de um mundo muito mais humano. Eu me transformei e vi a transformação de muita gente. 
      Tenho lembranças muito claras de momentos importantes. No dia que eu recebi o diagnóstico pela primeira vez, meu pai e minha mãe foram com ele no meu consultório e me deram o melhor apoio do mundo. Minha mãe chorou. Não a culpo. Alguém precisava chorar. E meu pai disse: "_Filha, fique tranquila. Nós estamos aqui para ajudar você. Não ficará sozinha. Se eu tiver que vender a roupa do corpo eu vendo, mas ele terá todo o tratamento que for preciso." Depois disso meus pais vieram morar em Natal. Obrigada família. Nunca me senti sozinha. pai, você, meu irmão e minha mãe foram minhas pernas. Felizmente não foi preciso vender nada. Graças a Deus.  
      Hoje, o meu bebê já está um rapaz independe e muito maduro. Quando eu digo maduro, falo que ele tem maturidade emocional para compreender as suas próprias limitações. Ele sabe exatamente o que pode desencadear um estresse para ele. E deixa  isso sempre muito claro pra nós. Quer um exemplo bem claro da maturidade desse menininho tão jovem? Ele sempre diz. "Não me apresse, minha cabeça fica confusa e não consigo realizar as tarefas." OK!!!! A gente entende e respeita. Hoje temos uma vida social ativa e relaxada (festinhas, mas não muitas e nem com músicas muito altas e muito menos com muitos meninos jogando futebol, afinal as regras do futebol são confusas), ele hoje tem uma comunicação espetacular, uma inteligência que me deixa babando e um humor incrível! Esse ano reduzimos todas as terapias e como a socialização dele está muito bem, investimos no que ele gosta de verdade. Leitura e línguas (ah, e os eletrônicos! Ele pira nesses games on line, conversa com muitas crianças em outras línguas). Quer saber mais? Agora ele me pede o colo. Se vai dormir na casa da vovó, no dia seguinte me liga avisando que vai voltar em breve, que sente saudades. Eu amo ter isso! É bem verdade que nem tudo são flores perfumadas.
Ainda existe o diagnóstico e com isso algumas outras tantas dificuldades relacionadas ao autismo que lidamos diariamente. Seguir regras é uma tortura para ele. Estabelece organização nas tarefas múltiplas é um desastre. Os barulhos, mudança de rotina e situações de estresse são capazes de desencadear crises rápidas. Essas coisas precisam ser trabalhadas diariamente. E a alimentação ainda tira o sono da mamãe aqui. Mas isso a gente tira de letra. 
Quando me pedem para falar da história dele eu fico logo animada!  Porque foi de longe um caminho fácil. Foi difícil de verdade! Muita gente hoje chega para mim e diz assim:  Taisa, tem certeza que essa criança é autista? ; Taisa, seu filho se superou mesmo? Ele já não era "leve"? Eu no começo me incomodava com isso, hoje eu conto a história dele. Me disseram para não esperar muito dele. O meu filho só foi falar comigo quase aos quatro anos. Meu filho é um caso de criança autista diagnosticada precocemente e com tratamento precoce. Tendo bons resultados. Fiz tudo por ele e para ele sem nunca deixar de ser eu. Deixei de sair, cuidei do meu filho sozinha, fui mãe e pai, (o que parecia uma responsabilidade pesada demais pra uma mulher só, e de fato foi. Eu era sozinha nessa caminhada. Voltei a sair, decidi que o mundo teria que se adaptar a ele, e não ele ao mundo, briguei com meio mundo pelos direitos dele, quase enlouqueci com a escola, na recepção do parquinho, no estacionamento, botei o meu dedo na cara de muita gente que chamou meu filho de mal  educado quando tinha crises, até que venci pelo cansaço. Eu venci. Eu perdi o medo. E no final das contas eu tenho um orgulho imenso dele. Porque ele é lindo, inteligente, perspicaz, E sobre mim?
Eu tenho muita sorte!









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